Se você acha que é um grande azarado por ficar constantemente preso em um engarrafamento ou por já ter pisado em um cocô de cachorro com seu tênis novinho em folha, talvez seja melhor analisar o mundo ao seu redor antes de apontar o punho para o céu e gritar várias obscenidades. O universo funciona de maneiras misteriosas, mas ainda assim é possível notar facilmente que algumas pessoas parecem atrair a pior maré de azar possível.
Uma dessas pessoas certamente foi o químico Carl Wilhelm Scheele, cuja história vamos abordar ao longo desse post. Você vai ver que a má sorte de Scheele sempre foi tão intensa que o seu apelido de “químico azarado” acabou ficando barato se levarmos em conta todos os perrengues da vida do pobre rapaz.
Carl Wilhelm Scheele nasceu em 1742 em Stralsund, no território que hoje corresponde à atual Alemanha. Seu pai era um comerciante conhecido, mas Scheele escolheu praticar a química desde jovem. Aos 14 anos, Scheele foi trabalhar com um farmacêutico em Gotemburgo, na Suécia, onde teve uma experiência prática com vários produtos químicos. A grande variedade de produtos químicos a sua disposição o deixou muito empolgado, de modo que muitas vezes depois do trabalho ele continuava fazendo experimentos até altas horas da noite.
A história conta que, certa noite, enquanto experimentava uma mistura particularmente volátil, Scheele causou uma explosão forte que sacudiu seu local de trabalho e deixou o seu empregador furioso. Scheele foi então demitido e, logo depois, encontrou uma nova oportunidade de emprego com o Sr. C. M. Kjellström em Malmö. De fato, foi através dele que Scheele fez os seus primeiros contatos com o mundo acadêmico. Dois anos depois, em 1767, Scheele se mudou para Estocolmo e começou a trabalhar como farmacêutico.
Uma de suas primeiras descobertas foi o ácido tartárico, um ácido orgânico cristalino que ocorre naturalmente em muitas frutas, como as uvas. Os produtores de vinho já conheciam o ácido tartárico há séculos, mas Scheele foi o primeiro a desenvolver uma técnica para extraí-lo quimicamente.
Scheele também foi a primeira pessoa a conseguir isolar o ácido lático do leite azedo. Ele também chegou a descobrir o fluoreto de hidrogênio e o sulfeto de hidrogênio. No entanto, a sua maior descoberta foi oxigênio, embora este evento também tenha marcado o início de uma carreira excepcionalmente infeliz.
A descoberta do oxigênio por Carl Wilhelm Scheele ocorreu três anos antes de Joseph Priestley, mas ele levou seis anos para publicar suas descobertas. Até então, Joseph Priestley já havia publicado seus dados experimentais e conclusões sobre o oxigênio. Antes que o gás fosse chamado de “oxigênio”, Scheele o chamava de “ar de fogo” porque ele parecia sustentar a combustão.
Scheele chegou a descobriu mais seis elementos: bário, cloro, molibdênio, manganês, nitrogênio e tungstênio, dos quais não recebeu nenhum reconhecimento em vida. No caso do cloro, Scheele achava que era um óxido obtido a partir do ácido clorídrico e o chamava de “muriaticum”. Cerca de quatro décadas depois, Sir Humphrey Davy constatou que o muriaticum não continha oxigênio e era, de fato, um elemento. Então, Davy deu o nome de cloro.
Quanto ao bário, Scheele até sabia que era um elemento, mas ele não era capaz de isolá-lo. Foi novamente Humphrey Davy quem isolou o metal, fazendo o mesmo com o molibdênio. Scheele também afirmava que o mineral molibdênio era único e não um minério de chumbo. Ele propôs, corretamente, que contivesse um novo elemento distinto e sugeriu o nome molibdênio. No entanto, foi Peter Jacob Hjelm quem isolou o molibdênio com sucesso e recebeu o crédito.
Como se tudo isso já não fosse suficiente, a maré de azar de Scheele continuou com o manganês, um elemento que ele foi o primeiro a identificar, mas como não conseguiu extraí-lo, acabou não recebendo os créditos. Ou seja, como você pode ver, Scheele era um cara muito azarado. No entanto, coisas piores ainda estariam por vir na vida do pobre rapaz.
Scheele gostaria de ser lembrado por muitas coisas, mas ele queria ser esquecido justamente pela única invenção que o deixou conhecido, um composto popularizado como “Verde de Scheele”, que ao longo das décadas matou um número considerável de pessoas. O “Verde de Scheele” é um pigmento de cor verde (ah, vá) que foi muito usado no passado para tingir papéis, incluindo papéis de parede e cortinas de papel, além de tingir algodão, linho e até alguns brinquedos infantis.
Tal pigmento é um composto de arsênico, mas o problema é que, naqueles dias, a toxicidade do arsênico não era conhecida. Assim, as pessoas usavam tranquilamente os papéis de parede verdes brilhantes em seus quartos, as mulheres usavam vestidos verdes chamativos e os jornais e as revistas usavam as cores verdes vibrantes para imprimir anúncios.
Durante o exílio de Napoleão em Santa Helena, o líder francês residia em uma casa cujos quartos eram pintados com uma tonalidade verde brilhante, sua cor favorita. Embora Napoleão tenha morrido de câncer no estômago, sabe-se que a exposição ao arsênico aumentou o risco de carcinoma gástrico. De fato, a análise de amostras de seu cabelo também revelou quantidades significativas de arsênico. Ou seja, o “Verde de Scheele” pode ter sido o principal causador da morte de Napoleão.
Em vários aspectos, Carl Wilhelm Scheele estava muito à frente de seu tempo. Como destacamos ao longo desse artigo, ele descobriu mais elementos e isolou mais compostos do que qualquer um de seus colegas. No entanto, ele ganhou a fama de azarado pois nunca recebeu o devido crédito pelas suas criações, sem falar no fato de que a única coisa que realmente recebeu o seu nome foi um veneno.
De fato, o célebre escritor americano Issac Asimov reconheceu Scheele como um dos maiores químicos da história, mas a sua incapacidade de comandar o mesmo nível de reconhecimento que muitos de seus contemporâneos levaram Asimov a se referir ao gênio como “o químico de má sorte”.
Para deixar a história de Scheele ainda mais melancólica, vale mencionar que vários anos de manuseio com produtos químicos perigosos, incluindo metais pesados (até porque ele tinha o hábito de cheirar e provar qualquer nova substância que descobrisse) acabaram afetando a sua saúde, levando ao desenvolvimento de problemas renais. Scheele morreu aos 43 anos de idade, provavelmente por conta de um envenenamento acidental causado por mercúrio.
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