No campo da linguística, a chamada “língua materna” costuma ser apontada como aquela que uma criança aprende e vive exposta desde o nascimento até os seus primeiros anos de formação. Por causa disso, ela se torna a língua com a qual muitos de nós se sente mais confortável em usar.
No entanto, ao longo da vida, muitas pessoas decidem estudar uma língua estrangeira, seja por questões de migração, turismo ou simplesmente para incrementar o currículo. Muitas pessoas até resolvem fazer intercâmbio por longos períodos para mergulhar a fundo em um novo idioma. Consequentemente, isso levanta uma questão interessante: será que uma pessoa pode esquecer a sua língua materna após vários anos de contato com um idioma diferente?
Ao longo desse artigo, nós vamos tentar entender como os humanos aprendem um idioma e o que pode levar uma pessoa a esquecer a sua língua materna.
Como alguém pode esquecer a sua língua nativa?
A linguagem é algo muito flexível, de modo que ela pode mudar de acordo com o ambiente do indivíduo. Quando você migra para um país com um idioma diferente, fica muito mais fácil desenvolver a capacidade de conversar nesse idioma, afinal de contas, aprender a língua local se torna uma verdadeira questão de sobrevivência.
A questão é que, no caso das pessoas adultas, as chances de esquecer a língua nativa são muito menores se comparadas com as de uma criança. De fato, os casos em que uma criança pode esquecer a sua língua nativa são comumente vistos entre crianças adotadas e aquelas que migram para um país diferente em uma idade muito jovem. Na prática, isso acontece porque esses indivíduos têm pouco ou nenhum acesso à sua língua nativa no novo ambiente.
Com isso em mente, podemos concluir que há uma grande diferença observada nas crianças e em seus pais quando falamos sobre o “desgaste da linguagem”. As crianças são muito mais propensas a esse desgaste do que os pais, pois estes tiveram um contato muito maior com a língua ao longo dos anos. Para se ter uma ideia, nos últimos 50 anos, as taxas de adoções aumentaram consideravelmente e a maioria das adoções internacionais é de crianças na faixa etária de 4-5 anos. Consequentemente, tais crianças adotadas geralmente sofrem de desgaste da linguagem.
Em muitos casos de adoção, as famílias adotivas falam um idioma diferente do idioma nativo da criança. Sendo assim, é seguro dizer que qualquer desenvolvimento de linguagem que tenha ocorrido antes de ser adotada se perderá quando a criança estiver no novo ambiente, pois ela viverá sem exposição à sua língua nativa.
Tá, mas é possível esquecer completamente a língua materna?
Ainda existe muito debate entre os pesquisadores sobre essa questão. O desgaste da linguagem não é apenas uma consequência da mudança no ambiente, mas também ocorre devido a certos efeitos psicológicos. Assim, é bem possível que uma criança ainda se lembre de partes da sua língua materna, mesmo que não a exponha há muito tempo. No entanto, em outros casos, pode não haver lembrança alguma.
Um renomado estudo liderado pelo psicólogo francês Christophe Pallier tentou descobrir se o período crítico da vida de uma criança desempenha um papel importante no desgaste da linguagem. Vários pesquisadores de Paris examinaram adultos que nasceram na Coréia e foram adotados em famílias francesas desde muito jovens. Esses adultos alegavam ter esquecido completamente a língua nativa e falavam um francês impecável, sem sotaque estrangeiro. Depois, os adultos foram expostos a três tarefas para determinar se poderiam recordar sua língua materna.
Os resultados obtidos foram bastante surpreendentes, pois nenhum dos indivíduos adotados conseguiu distinguir frases coreanas entre outras frases de idiomas diferentes. Além disso, suas respostas ao idioma conhecido, o francês, era semelhante às dos franceses natos, comprovando que os indivíduos adotados haviam esquecido completamente sua língua nativa, o coreano.
Então, é seguro dizer que é realmente possível esquecer completamente a língua materna, mas isso geralmente tende a acontecer se a pessoa em questão ficar exposta à língua nativa por apenas um breve período de sua vida.
Um incidente traumático pode fazer uma pessoa esquecer a língua materna?
Como você já deve ter percebido, esquecer a língua materna é algo que depende de fatores bem específicos para acontecer. No entanto, isso também pode acontecer por conta de algum fator psicológico associado à língua em questão, como algum tipo de trauma. Isso foi visto em alguns idosos que eram refugiados judeus-alemães durante a Segunda Guerra Mundial e que agora vivem nos EUA ou no Reino Unido.
Na prática, muitos desse idosos parecem ter perdido a capacidade de falar alemão, apesar de terem vivido na Alemanha a maior parte de sua vida adulta! Nesses casos, a incapacidade de relembrar a língua nativa não tem nada a ver com a idade, mas com as dolorosas lembranças que essas pessoas haviam experimentado durante a guerra.
As atrocidades que os nazistas cometeram sobre esses indivíduos os deixaram com lembranças traumáticas ao longo da vida. Para esquecer esses crimes hediondos cometidos contra eles, alguns dos sobreviventes acabaram esquecendo sua língua materna, o alemão. Ou seja, embora a Alemanha fosse sua terra natal, ela se tornou uma terra cheia de lembranças dolorosas que posteriormente resultaram no esquecimento do idioma.
Curiosamente, também foi possível notar que os sobreviventes que deixaram a Alemanha mais cedo eram capazes de falar a língua alemã melhor do que aqueles que partiram mais tarde, durante o auge da guerra. No entanto, é importante deixar claro que tais casos de desgaste da linguagem causados pelos efeitos psicológicos decorrentes de algum trauma são bastante incomuns.
Ou seja…
A linguagem é algo que está profundamente integrado em nosso cérebro e é uma das formas mais fundamentais de comunicação. Como tal, esquecer a língua materna até pode parecer quase impossível, mas a realidade é bem diferente. Fatores como adoção ou migração em uma idade muito jovem podem afetar a capacidade da criança de recordar seu idioma nativo e pode levar ao desgaste da língua em questão. Além disso, eventos traumáticos também podem desencadear tal esquecimento.
Por outro lado, como exatamente o desgaste da linguagem afeta diferentes indivíduos depende das experiências pessoais de cada um. Por isso, não há como saber se uma determinada experiência pode afetar os recursos de linguagem de um grande grupo de pessoas.
Interessante, não é mesmo? Compartilhe o post e deixe o seu comentário!